Por Caio Ventura – Advogado Trabalhista Bancário, Comunicador e CEO do Boudeville Ventura Advogados
Construí minha carreira dentro das trincheiras do Direito do Trabalho. Foi com ele que levantei meu nome, minha história e minha independência. Foram os bancários — assalariados engravatados que carregam as dores da subordinação sob o disfarce da autonomia contratual — que me ensinaram que norma nenhuma se aplica decentemente sem olhos para a realidade.
Enquanto advogado, aplico a dogmática com o rigor que o juspositivismo exige. Meu referencial é Hans Kelsen. Defendo que o Direito é um sistema de normas válidas, hierarquizadas e coerentes. Não sou militante de abstrações, nem defensor de ‘justiças intuitivas’. Sigo o devido processo legal, como manda o art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. Mas a técnica, por mais limpa que seja, se torna indecente quando desconsidera a sujeira que há no chão onde a norma pisa.
1. O Positivismo Como Método, Não Como Venda nos Olhos
O juspositivismo, quando compreendido com profundidade, não exige alienação social. Como ensina Norberto Bobbio, o positivismo jurídico ‘não exclui juízos de valor; apenas separa o que é daquilo que deve ser’. Por isso, em muitos casos — mas não em todos — aplico o direito como está. Mas em outros, a realidade grita alto demais para ser ignorada. E aqui abro aspas na figura de comunicador: ‘A letra da lei pode ser perfeita. Mas, quando aplicada sem escuta, só serve para calar a dor de quem mais precisa ser ouvido’.
2. Princípios: O Direito do Trabalho Não Tolera Neutralidade
O Direito do Trabalho tem uma arquitetura principiológica própria, fundada sobre a premissa da desigualdade estrutural entre as partes. Não há simetria possível entre quem contrata e quem precisa comer. Por isso, os princípios da proteção, da primazia da realidade e da norma mais favorável não são sugestões — são imperativos técnicos. Como bem assevera Maurício Godinho Delgado, ‘a lógica do direito do trabalho é anti-formalista, fundado sobre a função social do contrato e a centralidade da dignidade do trabalhador’.
3. O Advogado Que Sabe o Nome da Dor
Quando se defende trabalhadores há anos, como é o meu caso, a neutralidade absoluta soa como cinismo togado. Cada ação é um drama — não raro silenciado por medo de retaliação ou endividamento com custas e sucumbência. E aqui volto a abrir aspas como comunicador: ‘Se até para reclamar um direito é preciso coragem, então o que temos não é justiça — é um protocolo de resignações institucionalizadas’.
4. Da Técnica que Oprime à Justiça Possível
O art. 7º da Constituição Federal não foi escrito para ser ignorado em nome de uma suposta segurança jurídica que protege apenas um lado do balcão. A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a valorização do trabalho (art. 1º, IV) e o acesso à justiça (art. 5º, XXXV) não são adereços para enfeitar o discurso — são cláusulas pétreas. A crítica aqui não é ao Direito, mas à forma como ele tem sido instrumentalizado. A neutralidade que ignora a miséria é cúmplice — e a técnica que cala a desigualdade, violenta.
5. Conclusão: Técnica com Propósito
Como advogado, respeito a forma, a legalidade, a segurança normativa. Mas não sou um robô togado. Sou alguém que viveu o que a CLT representa — e o que a sua desidratação pós-reforma causou. O Direito do Trabalho não existe para pacificar litígios entre iguais, mas para corrigir desigualdades. E como comunicador, afirmo: ‘Se o sistema jurídico ignora o sofrimento do trabalhador para manter sua pureza formal, talvez esteja na hora de sujá-lo um pouco com humanidade’.
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